Criar um ambiente de acolhimento e empatia, sem preconceitos, ajuda os pacientes a se sentirem seguros, amparados e dispostos a seguir em busca do melhor tratamento
A vida não fazia mais sentido. Sem sonhos e sem planos, o futuro soava aterrador. Aos 49 anos, sem filhos e sentindo-se velha, a advogada Andrea Dealis pensava não ter nada a perder. Era puro sofrimento –além da angústia, havia a fibromialgia comprometendo a sua qualidade de vida. A morte virou ideia fixa. A família e os amigos, imaginava, se livrariam dela. Era 2015. Ao se dar conta de que chegara ao limite, Andrea reuniu forças e foi em busca de ajuda. Diagnosticada com depressão, recebeu tratamento. E, hoje, a vida voltou a fazer sentido.
Com os medicamentos adequados e terapia, ela trabalha, namora, viaja, diverte-se com os amigos e é síndica do prédio onde mora. Quando se percebe mais vulnerável, cuida dos fatores que podem fazê-la recair. Dormir bem, por exemplo, é fundamental para a advogada.
Andrea vem de uma família marcada pela doença mental. Seu pai sofria de transtorno bipolar. Sua mãe, sem nunca ter recebido o tratamento adequado para depressão, tentou o suicídio três vezes. De seus quatro irmãos, três desenvolveram o mesmo distúrbio do pai e um, como ela, é depressivo.
Apesar do convívio íntimo com os pacientes de distúrbios psiquiátricos, ela não deu atenção aos sinais iniciais da primeira crise de depressão, em 2010. E olha que, por causa do pai e de um irmão, ela frequentava encontros de parentes e amigos de pacientes de transtornos mentais. “Eu tinha me separado, estava trabalhando demais… e pensava: ‘É o stress. Vai passar.”
Não era e não passou. A doença se agravou. Veio a ideação suicida. Uma conhecida em uma das reuniões de um grupo de apoio soou o alerta: “Você deve estar com depressão”. Incentivada pela moça, a advogada procurou um psiquiatra e começou o tratamento.
Andrea ilustra à perfeição a jornada exitosa da recuperação de um paciente em profunda depressão. De como é possível retomar o controle da própria vida mesmo nos momentos de maior sofrimento psíquico, quando nada parece mais fazer sentido e o suicídio parece ser a única saída para a dor. A recuperação é sim possível, há caminhos para sair do sofrimento agudo.
A cada 40 segundos, em algum lugar do planeta, alguém morre por suicídio1. São cerca de 800 mil vítimas, por ano. A quase totalidade é portadora de doença mental2. “Delas, entre 50% e 60% sofrem de depressão”, diz o médico Humberto Corrêa, professor titular de psiquiatria, da Faculdade de Medicina, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Impossível, portanto, pensar em prevenção do suicídio sem conceituar a depressão como emergência médica. Atualmente, apenas metade dos doentes está em tratamento e, deles, só 20% são, de fato, bem assistidos3. Além disso, cerca de 30% têm depressão resistente ao tratamento (DRT), quando o paciente apresenta episódios depressivos moderados a graves e não responde ao uso de pelo menos dois antidepressivos, de classes diferentes, por dose e tempo adequados. “O suicídio, como a depressão, precisa ser entendido como uma questão de saúde pública”, defende o psiquiatra, autor do recém-lançado “Tratado de Suicidologia”.
É preciso falar sobre suicídio. Falar muito e abertamente. Para começar, é imprescindível livrá-lo de todos os estigmas religiosos, morais e culturais e abordá-lo como previsto na medicina – depressão, como todos os distúrbios psiquiátricos, é uma doença como qualquer outra.
A mudança na compreensão do suicídio é um movimento que exige o comprometimento de todos. De pacientes, familiares, amigos, profissionais de saúde e da sociedade em geral. E isso só acontece com a disseminação de conhecimento e informação qualificada. Dessa forma, é possível construir um ambiente empático e sem julgamentos, no qual as pessoas se sintam confortáveis em compartilhar suas experiências e emoções.
Para alguém com ideação suicida, considerações do tipo “pare de bobagem”, “deixe de ingratidão” ou “você só está querendo chamar a atenção” são extremamente prejudiciais. Reforçam os sentimentos de culpa, inadequação e baixa autoestima e jogam-no em um estado de profunda solidão. Não se deve jamais duvidar ou julgar uma pessoa que realiza uma tentativa ou fala em suicídio.
“O acolhimento e o incentivo daqueles que estão ao redor dos pacientes são fundamentais para que eles se sintam seguros, dispostos a seguir em frente e amparados diante dos desafios naturais da jornada de recuperação”, diz Jorge Neves, líder da Unidade de Neurociências da farmacêutica Janssen, do grupo Johnson & Johnson.
Em 2020, a empresa lançou o movimento Falar Inspira Vida, com o objetivo de engajar os pacientes de depressão a procurar ajuda especializada. Para o Setembro Amarelo deste ano, a Janssen traz a campanha Mensagens de Transformação, um manifesto inspirado nos maiores e mais motivadores discursos da história. Falas que, em momentos difíceis da humanidade, mobilizaram multidões e mostraram que, por mais dura que a realidade pareça ser, é sempre possível resistir e lutar. Como afirma o ex-presidente americano Barack Obama, “nós podemos”.
E, como podemos. No ano 2000, a Organização Mundial de Saúde (OMS) convocou as nações membros a elaborar estratégias nacionais de prevenção ao suicídio. Desde então, globalmente, o número de pessoas que se matam vem caindo. “O Brasil assinou compromisso, mas nunca fez nada”, afirma o psiquiatra Corrêa. Não por acaso, por aqui, as taxas de suicídio, em 16 anos, subiram 35%4. São, no mínimo, 12 mil mortes anuais.
A prevenção do suicídio pode ser difícil, mas é factível. “Que a liberdade ressoe”, repetiu por nove vezes o ativista americano Martin Luther King (1929-1968), ao longo do discurso Eu tenho um sonho. No ápice da efervescência do movimento contra a segregação racial nos Estados Unidos, nos degraus do Lincoln Memorial, em Washington, em 28 de agosto de 1963, ele profetizou um mundo de oportunidades equânimes para todos. Quase 60 anos depois, as palavras de Martin Luther King soam como uma mensagem de esperança em tempos de incertezas e medos. A de que a transformação é sempre possível.
Fonte: folha.uol.com.br